Mordomo? Quando ouvimos esta palavra, vem à mente uma figura
antiquada; uma pessoa de idade vestida com um fraque, servindo refeições em um
castelo; ou, muitas vezes, o culpado dos crimes cometidos em histórias
policiais. A palavra mordomo, entretanto, significa simplesmente administrador.
Na Bíblia, no livro de Gênesis (39.4), lemos que José recebeu a confiança do
alto oficial da corte de Faraó, “de modo que o fez mordomo da sua casa, e
entregou na sua mão tudo o que tinha”. Temos outros exemplos, também na Bíblia,
entre esses o do Eunuco, o alto oficial etíope, (Atos 8.27), a quem Filipe
pregou o evangelho. Ele é chamado de mordomo principal da rainha da Etiópia.
Veja a extensão de suas responsabilidades no próprio verso: ele “era
superintendente de todos os seus tesouros”. Ser mordomo, portanto, é algo muito
importante. A palavra, no original grego, significa literalmente – “aquele que
coloca a lei na casa”, ou o que administra a casa de acordo com a lei.
Mordomia é o exercício dessa capacidade de administração.
Essa palavra é ouvida com freqüência em igrejas, normalmente referindo-se às
obrigações sobre contribuições. O seu sentido, entretanto, é muito mais amplo.
Da mesma forma como Potifar colocou nas mãos de José a administração de todos
os seus bens, Deus, ao criar o homem, colocou em suas mãos toda a criação para
ser administrada. Isso pode ser constatado. Você pode constatar isso, lendo
Gênesis 1.28 – “Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e
multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar,
sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”.
Nesse sentido, somos mordomos de Deus sobre o tempo, que recebemos dele; sobre
os bens que ele nos dá e sobre tudo mais que ele nos concede, em nossa vida.
Inserido, portanto, na definição de mordomia está o conceito
de responsabilidade. Somos responsáveis pela utilização correta de tudo que
provém de Deus e isso se inicia com o reconhecimento de sua pessoa e de que
temos que glorificá-lo no todo de nossa vida (1 Coríntios 10.31). Somos bons
mordomos se demonstramos responsabilidade no uso de nosso tempo, de nosso
dinheiro e até nas escolhas de nossas amizades.
Esse
é o estudo de mordomia, nesse sentido abrangente. Queremos focalizar nossa
atenção apenas no reconhecimento de que somos mordomos; de que tudo o que temos
pertence ao Senhor; e de como temos o privilégio de indicar o reconhecimento da
bondade e misericórdia, através de nossas contribuições. Gostaríamos, portanto,
de focalizar o aspecto tradicional do tema mordomia – o das contribuições, mas
com uma abordagem um pouco diferente da tradicional.
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As
bases da contribuição decimal (Gênesis 14.18-20)
Registros antigos, na Palavra de Deus, que antecedem a Lei
Cerimonial e Judicial do Povo Judeu, mostram que dar dez por cento das posses,
ou seja, o dízimo, era uma prática religiosa abraçada pelas pessoas tementes a
Deus, como forma de adoração e reconhecimento de que nossos bens procedem da
boa vontade de Deus. Nesse sentido, Abraão, quando deu o dízimo ao sacerdote do
Deus altíssimo – Melquizedeque (Gênesis 14.18-20), estava exatamente dando
extensão à sua compreensão de mordomia, demonstrando reconhecimento a Deus
pelas bênçãos recebidas nesta vida. Assim, simbolicamente, testemunhava que
tudo era de Deus.
Essa foi também a compreensão de Jacó (Gn 28.20-22) quando
faz um voto a Deus. Ali, lemos: “Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for
comigo e me guardar neste caminho que vou seguindo, e me der pão para comer e
vestes para vestir, de modo que eu volte em paz à casa de meu pai, e se o
Senhor for o meu Deus, então esta pedra que tenho posto como coluna será casa
de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo”. Dentre os
muitos textos encontrados na Bíblia sobre contribuições e, mais especificamente
sobre o dízimo, este entrelaça o conceito de bênçãos materiais advindas de
Deus, com o reconhecimento da oferta proporcional como adoração e expressão da
nossa mordomia. Jacó estava em uma jornada, comissionado por seu pai, Isaque,
para encontrar uma esposa (28.1,2). Após haver sonhado (28.10-15) com a
presença de Deus, no qual ele lhe promete proteção, acompanhamento e a formação
de uma descendência, Jacó se atemoriza (28.16) e ergue um memorial a Deus
(28.18-19).
A seguir, Jacó faz o seu voto. Deus já havia reafirmado: “eis
que estou contigo” (28.15), Jacó indica (28.20,21) que, mediante as dádivas
divinas da:
presença
(“for comigo”),
proteção
(“me guardar”),
pão
(“me der pão”),
provisão
(“roupa que me vista”) e
paz
(“que eu volte em paz”) – ele o adoraria
declarativamente
(“o Senhor será o meu Deus”),
demonstrativamente
(“pedra, que erigi por coluna, será a casa de Deus”) e
dizimalmente
(“certamente eu te darei o dízimo”).
Com isso, Jacó, antes da Lei Cerimonial e Judicial de Israel,
dava continuidade à prática já demonstrada por Abraão, de que, em
reconhecimento à segurança, que vem de Deus; ao alimento, que vem de Deus; às
vestimentas, que vêm de Deus e à paz, que vem de Deus, o dízimo será dado.
Esses registros antecedem a dádiva das leis específicas aos Hebreus, no Antigo
Testamento. A prática, portanto, não parece estar limitada aos aspectos formais
da Nação de Israel. Estava presente na humanidade, como um todo.
Assim, nem a Lei Cerimonial, nem a Judicial, da teocracia de
Israel, são a base para a prática do dízimo, pois as determinações dessas leis
foram cumpridas em Cristo. A defesa do dízimo utilizando prescrições
específicas da Lei Mosaica carece de uma base exegética mais sólida. A base
antecede as leis de Israel, entretanto, o estudo dessas leis mostra, pelo
menos, um grande e importante aspecto: a seriedade com a qual Deus apresentava
e tratava essa questão do dízimo. Não somente ele entrelaçou, na Lei de Israel,
a prática que a antecedia, mas castigos caíram sobre a nação exatamente pela
quebra dessa determinações. Esquecê-las era a mesma coisa que “roubar a Deus”
(Ml. 3.7-10).
No Novo Testamento também encontramos princípios que nos
levam a deduzir a continuidade da contribuição decimal. Vamos analisar pelo
menos dois desses.
Contribuir
Planejadamente (2 Coríntios 9.7)
O primeiro princípio neo-testamentário, é que a Bíblia ensina
que deve-se contribuir planejadamente. Escrevendo aos coríntios, Paulo diz:
“Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, nem por
constrangimento (Atualizada: “necessidade”); porque Deus ama ao que dá com
alegria”.
Frequentemente este trecho é estudado apenas em seu
entendimento superficial, e sendo interpretado de que ele fala simplesmente da
voluntariedade da contribuição. Mas o fato, é que ele ensina que a contribuição
deve ser alvo de prévia meditação e entendimento. Isso indica, com muito mais
força, que ela deve ser uma contribuição planejada, não aleatória, não
dependente da emoção do momento (todos esses elementos são válidos, mas não são
os únicos e principais determinantes).
Deus ensina que o “mover do coração” não significa a
abdicação de responsabilidades. O alerta é para que não é possível que portas
abertas, colocadas à frente, sejam esquecidas. No que diz respeito à
contribuição, muitos ficam esperando o “mover do espírito”. Tudo isso soa muito
piedoso e espiritual, mas propor no coração, significa que deve-se considerar
com seriedade que a contribuição deve ser planejada. O próprio verso 5, neste
capítulo, reforça esse entendimento, indicando que a contribuição deveria ser
“preparada de antemão”, ou seja deveria haver planejamento.
Como será esse planejamento? Individualizado? Dependente da
cabeça de cada um? Talvez seja possível se achar excelentes formas de planejar.
Mas será que será encontrada melhor forma do que a estabelecida na Bíblia: que
é a dádiva do dízimo, o reconhecimento simbólico de que tudo o que temos
pertence a Deus?
O dízimo representa a essência da contribuição planejada e
sistemática. Conseqüentemente, será que não deveríamos propor no nosso coração
dar o dízimo? Vêem como isso muda a compreensão que tantos têm do verso? Alguns
dizem: “o dízimo constrange”; “com obrigação não pode haver alegria na
contribuição”. Mas o ensinamento é justamente o contrário: proponha no seu
coração, sistematize sua contribuição e a dádiva fluirá de você
sistematicamente, sem constrangimentos, com alegria. Não procure inventar:
contribua na forma ensinada pelo próprio Deus.
Contribuir
Proporcionalmente (1 Coríntios 16.2-3)
Um segundo princípio neo-testamentário, é que Deus espera que
a contribuição seja proporcional aos ganhos, ou seja, deve-se contribuir
proporcionalmente. O trecho bíblico, também de uma carta de Paulo, relacionado
acima, diz: “No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que
puder, conforme tiver prosperado, guardando-o, para que se não façam coletas
quando eu chegar”.
O ensinamento é, mais uma vez muito claro. É óbvio que Paulo
espera uma contribuição sistemática, pois ele diz que ela deveria ser realizada
aos domingos (no primeiro dia da semana), que é quando os cristãos se reuniam.
O trecho é muito rico em instrução, demonstrando até a propriedade de reunião e
culto aos domingos, contra até alguns setores do neo-pentecostalismo contemporâneo,
que insistem que deve-se continuar guardando o sábado, o sétimo dia da semana.
Mas o ponto que chama a nossa atenção, é o fato de que Paulo
ensina que a contribuição deve ser conforme Deus permitir que se prospere, ou
seja, conforme os ganhos de cada um. Essa é a grande forma eqüitativa apontada
por Deus: as contribuições devem ser proporcionais, ou seja um percentual dos
ganhos. Assim, todos contribuem igualmente, não em valor, mas em percentual.
Verificamos que é possível se inventar um percentual
qualquer. Talvez isso fosse possível se nunca tivéssemos tido acesso ao
restante da Bíblia, mas o percentual que o próprio Deus confirmou e registrou:
dez por cento dos ganhos individuais, é por demais conhecido! Isso parece
satisfatório e óbvio. Não é preciso se sair procurando por outro meio e forma
de contribuição. Se isso for feito, pode-se até dizer, “eu contribuo
sistematicamente com o percentual que eu escolhi”, mas nunca será possível
dizer que isso é feito em paridade e justiça com as outras pessoas. Quem vai
garantir que o percentual do outro é igual ao meu? Essa aleatoriedade
destruiria o próprio ensinamento da proporcionalidade que Deus ensina através
de Paulo. A grande pergunta que tem que ser respondida é essa: “Se Deus já
estabeleceu, no passado, uma forma de porporcionalidade, por que não seguir a
forma, o planejamento e a proporção determinada por Deus?”
Conclusão
e Aplicação
As contribuições dizimais refletem apenas o reconhecimento de
que tudo provém de Deus. Em paralelo, é preciso se estar alerta a dois pontos:
1.
O exercício correto da mordomia é muito mais abrangente do que simplesmente
contribuir. Envolve a responsabilidade total sobre todos os recursos que são
recebidos como bênçãos de Deus nas nossas v
idas.
2.
A contribuição não é “ponto de barganha” com Deus. Por mais sistemática,
proporcional e planejada que ela deva ser, permanece uma plataforma de
adoração. Ela não tem eficácia para expiar pecados, nem para angariar “favores”
de Deus. Deus condena aqueles que se esmeram no contribuir, mas se apresentam à
adoração em pecado (Amós 4.4 – “… multiplicai as transgressões; e cada manhã
trazei os vossos sacrifícios, e de três em três dias os vossos dízimos”).
Por: Solano
Portela. © 2005 solanoportela.net.
Original: Mordomia.
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