Além disso, me
mostradas notáveis passagens da Palavra que contêm declarações perspicazes e
penetrantes sobre a perdição da alma, a despeito de dons e talentos. Estas
palavras, por exemplo, têm sido muito úteis: “ainda que eu fale a língua dos
anjos e dos homens se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o
címbalo que retine” (1 Co13.1). Um címbalo é um instrumento com o qual um
músico habilidoso pode tocar melodias alegres e estimulantes, e todos os que
ouvem dificilmente param de dançar. Contudo, o címbalo, por si mesmo, não
possui vida nem produz a melodia; esta nasce da habilidade daquele que o toca.
No final, o instrumento pode vir a ser nada e perecer, embora melodias tão
alegres tenham sido tocadas nele, em tempos passados. Era assim que eu via a
situação presente e futura daqueles que possuem dons, mas não a graça
salvadora: estão nas mãos de Cristo como címbalo estava nas mãos de Davi; e,
como Davi podia, a serviço de Deus, tirar do címbalo música que elevava o
coração dos adoradores, assim Cristo pode usar esses homens habilidosos para
tocar a alma de seu povo na igreja e, depois de ter feito tudo que intenta,
colocá-los de lado como algo sem vida, apesar de tocarem como címbalos.
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Esta
consideração, portanto, junto com algumas outras, eliminou, na maioria das
vezes, o orgulho e o desejo de vanglória. Eu pensei: como me orgulharei se sou
bronze que soa? É valioso ser um violino? O menor dos seres vivos não possui
mais de Deus do que esses instrumentos? Além disso, eu sabia que o amor é que
nunca morreria, mas os outros dons cessariam e desapareceriam; então, conclui
que um pouco de graça, um pouco de amor, um pouco do verdadeiro temor de Deus
são melhores do que os dons. De fato, estou plenamente convencido de que é
possível às pessoas deficientes no falar – ou seja, pessoas de expressão pobre
e confusa – possuírem mil vezes mais graça, podendo, assim, descansar mais no
amor e no favor do Senhor, do que outros que, pela virtude do dom do
conhecimento, podem falar com voz de anjo.
Então,
entendi que, apesar de os dons serem bons, em si mesmos, ao propósito para o
qual foram designados – a edificação de outros – eles são vazios e desprovidos
de poder para salvar a alma daquele que possui o dom, se isso for tudo o que
ele tem. Os dons também não são sinais de que uma pessoa se encontra num estado
de bem estar eterno, uma vez que eles são dispensados por Deus apenas a alguns
que, depois de um breve tempo, devem prestar contas quanto a terem crescido ou
não em graça àquele que está pronto para julgar os vivos e os mortos. Isso me
mostrou que os dons são perigosos – não em si mesmos, e sim por causa dos males
que sobrevêm àqueles que os possuem, isto é, orgulho, desejo de vanglória,
presunção, etc. – tudo que pode estimular facilmente o aplauso e os elogios de
todo cristão imprudente, colocando em risco a vida de um pobre pecador e,
talvez, fazendo-o cair na condenação do diabo.
Vi,
portanto, que aquele que possui dons precisa ser iluminado quanto à própria
natureza dos dons, ou seja, que estes são insuficientes no que se refere à
salvação da alma, a fim de que ele não se fie nos dons e seja destituído da
graça de Deus. A pessoa que possui dons tem razões para andar humildemente com
Deus, e ser pequeno aos próprios olhos, e lembrar, também, que seus dons não
lhe pertencem, e sim à igreja, que por meio dos dons ele se torna servo da
igreja e que, no final, ele prestará contas de sua administração ao senhor
Jesus. (prestar boas contas será uma grande benção!) Que todos os homens,
portanto, avaliem o temor do Senhor. Os dons são, realmente, desejáveis; mas
grande graça e pequenos dons são melhores do que grandes dons sem graça. Isso não
significa que o Senhor concede dons e glória, e sim que o senhor concede graça
e glória; e bem-aventurado é aquele a quem o senhor concede graça, verdadeira
graça, pois esta é a verdadeira precursora da glória.
Fonte:
John Bunyan. Graça Abundante ao Principal dos Pecadores. Editora Fiel, 2013. Pag.
140 e 141.
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